Realidade, fantasias masculinas e herança matriarcal
Fetiches e fantasias
sexuais sempre foram comuns em qualquer sociedade, sobretudo as mais
repressoras, pois permitem, na segurança do lar, liberar desejos
reprimidos e, pelo menos por alguns instantes, tornar realidade o que na
ordem social cotidiana parecia impossível. Com a ajuda do sistema
capitalista, as fantasias sexuais se constituíram em um mercado próprio,
voltado para um conjunto de consumidores que não para de crescer e
assumir que, entre quatro paredes, vale tudo. De todos os fetiches que
caracterizam a vida no ocidente, sem dúvida alguma, a que mais cresce é a
“dominação feminina”, ou seja, a situação em que, contrariando a lógica
machista, os as mulheres comandam a situação diante de machos
submissos. Será que isso tem um motivo?
Na
verdade, muitos psicólogos acreditam que, entre quatro paredes, esta
sempre foi a fantasia masculina predileta. Separando bem fantasia e
realidade, de forma que sua autoridade real não fosse ameaçada, muitos
terríveis e valentes machões sempre se entregaram às suas esposas,
fazendo-as assumir o controle da situação, obedecendo-as como animais de
estimação. Desde que ninguém soubesse disso, ou seja, fosse um segredo
restrito ao quarto, não tinha problema algum. No entanto, nos dias de
hoje, a dominação feminina deixa o espaço privado e, em uma velocidade
inimaginável, ganhar a vida pública, deixando, em muitos casos, de ser mera fantasia. Já não é tão difícil encontrar homens admitindo que obedecem suas esposas, deixando-a tomar as decisões para o casal. O que explica isso?
A melhor explicação vem de Elise Sutton, autora de trabalhos
como “female domination: an exploration of the male desire for loving
female authority”, que procura entender a necessidade masculina de se
submeter a uma mulher. Como, em uma sociedade machista em
que as mulheres, de certa forma, ainda são tratadas como cidadãs de
segunda classe, o machista opressor deseja se submeter e obedecer a esta
mesma mulher? Segundo a autora, a explicação para isso está há milhares
de anos atrás, na época matriarcal, quando, livre das correntes do
machismo, a sociedade era comandada pelas mulheres e os homens, sem
contestação, eram submissos. Embora existam poucas evidências concretas,
acredita-se que a cidadania era exclusividade da mulher, pois ela era a
imagem e semelhança da Deusa, sendo responsável pela vida, bem maior de
qualquer grupo social. Era a mulher a responsável pela organização
política e pelas leis, seja na esfera pública ou privada. Os homens não
eram escravos, como muitas vezes o fetichismo erradamente exagera. Eles
eram livres, mas para eles estavam destinados os trabalhos secundários
da sociedade, especialmente os que exigiam o uso da força física. O
segredo da organização matriarcal estava em reconhecer a maior
inteligência da mulher. Todo homem crescia sabendo que, apesar de mais
forte, precisava ser orientado por um cérebro feminino. Isso mantinha a
ordem social intacta.
A
discussão de como os homens, aquelas criaturas dóceis e submissas, se
tornaram seres autoritários e dominadores, é muita extensa para ser
tratada neste texto. Vale destacar apenas que, sem serem considerados um
perigo para a ordem social, pois desde que a humanidade pisou sobre a
terra eles sempre obedeceram fielmente suas fêmeas, não havia
perspectiva de qualquer transformação social. Conforme a sociedade se
tornava mais complexa, as mulheres cederam alguns direitos aos homens,
aproximando-se cada vez mais de uma sociedade igualitária. Ora, o
problema é que a mente masculina, até hoje, age sempre de forma
hierárquica. Homens não compreendem a igualdade, pois estão
condicionados a obedecer ou a mandar, lógica dualista que, se eles não
estavam mais submetidos ao controle feminino, era natural que alguns
construíssem uma outra hierarquia, agora baseada na força e na
importância da violência para a preservação do grupo social.
Como pode, então, uma criatura feita para obedecer passar a mandar? Na verdade, como muito bem demonstrou William Bond,
o homem médio era e continua sendo submisso. Se não mais às mulheres, a
alguns outros homens oportunistas, que ao longo da história usaram a
força e as palavras para arrebanhar as multidões. Basta ver que as
modernas ditaduras só se sustentam porque milhões de submissos o seguem
fielmente. Não por acaso, a resistência a ordem estabelecida é bem
maior entre as mulheres. Basta ver a perseguição a elas ao longo da
história, ou a revolta contra a desigualdade entre gênero no presente,
para ver na mulher uma resistência à ordem estabelecida.
Nas
últimas décadas, entretanto, a luta das mulheres começou a dar
resultado. Conquistaram a igualdade, levam grande vantagem nos
indicadores educacionais, progressivamente tomam conta dos melhores
empregos e dos cargos de chefia. Curiosamente, os homens ofereceram
muito pouca resistência. É como se estivessem cansados de lutar não
contra elas, mas contra sua própria essência. As ruínas do machismo
exacerbam a violência contra a mulher, pois o machista já não reconhece
mais o mundo que conheceu. No entanto, em um mundo onde receber as
ordens de uma mulher torna-se não apenas natural, mas a regra, a chamada memória genética desperta com força devastadora.
Sempre
esteve no interior de cada homem a semente latente da submissão a uma
mulher. Esta semente aflorava nas fantasias entre quatro paredes, mas,
submetidos ao turbilhão de emoções e sensações que é estar novamente
subordinado a uma fêmea, o desejo da submissão ganha a esfera pública.
Neste processo os homens encontram apenas a sua essência, a ordem
natural da sociedade humana, que é matriarcal, assim como em primatas
próximos a nós, como os bonobos, os “macacos feministas”. A ciência
encontra, na seriedade e na imparcialidade de alguns estudos, a certeza
de que, assim como as antigas sociedades matriarcais já sabiam, a mulher
é mais inteligente, mais madura, organizada, responsável e social e
psicologicamente mais equilibrada. Neste início do século XXI, cada vez
mais homens assumem sua derrota na guerra dos sexos, jogam as armas no
chão e se entregam não às mulheres, mas a sua própria natureza.
Enquanto
alguns ainda resistem de forma violenta, muitos já perceberam sua
inferioridade em relação às mulheres. Muitos ainda possuem vergonha de
admitir, ou ainda não venceram o orgulho machista. O fetiche, então, é
uma forma de colocar pra fora seus desejos reprimidos, a vida que a
vergonha impede de se tornar concreta. Ali, submetendo-se a uma mulher,
seu verdadeiro “eu” é externado, ganhando forças para a vida diária. Uma
válvula de escape psicológica para seus instintos. Outros já admitem,
além do fetiche, sua própria inferioridade em relação a mulher, fazendo
da sociedade matriarcal o objetivo para se alcançar um futuro promissor
de paz e felicidade. Homens como Montagu, antropólogo que, sem receio e
enfrentando a fúria machista, escreveu em 1952 a “superioridade natural
da mulher”. Homens como o citado William Bond e seus vários livros sobre a sociedade matriarcal. Homens de verdade, que não lutam contra a realidade e aceitam seu lugar.
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